O movimento sindical brasileiro está desafiado a construir propostas de consenso para rever, como consta nas próprias Diretrizes de Reconstrução e Transformação Nacional do então candidato Lula, os marcos regressivos da reforma trabalhista.
Essa tarefa não será fácil. O parlamento brasileiro é refratário às mudanças progressistas nas relações do trabalho e na organização sindical. Dentro do próprio sindicalismo há opiniões não coincidentes sobre temas importantes.
Para contribuir com o debate, levantamos algumas questões que objetivam jogar luzes sobre um itinerário possível de ser percorrido pelo movimento sindical. Avançar onde for possível e não querer construir uma nova organização sindical a partir do zero.
Consideramos que a defesa da Consolidação das Leis do Trabalho, a nossa CLT que este ano completa 80 anos, e os direitos sociais consagrados na Constituição de 1988 devem ser a premissa para estabelecer bases mínimas consensuais para o debate.
Os 922 artigos da CLT, desde sua vigência a partir de 1º de maio de 1943, constituem o mais vasto patrimônio de defesa jurídica dos direitos individuais e coletivos dos trabalhadores.
É uma crítica reducionista a afirmação de que a CLT seria cópia da Carta del Lavoro de Mussolini. Essa comparação é uma verdadeira agressão à história e uma visão distorcida do que significou a CLT no contexto político do Brasil daquela época.
A CLT sistematizou as relações individuais e coletivas de trabalho, criou a carteira de trabalho, definiu jornada de trabalho, folga, férias, salário mínimo, segurança e saúde do trabalho e proteção para o trabalho das mulheres e de menores.
Além disso, a legislação trabalhista brasileira legalizou a organização sindical, com base na unicidade, e assegurou meios para o financiamento de todo o sistema confederativo.
Na estratégia nacional-desenvolvimentista da chamada Era Vargas, era imprescindível “civilizar” as relações do trabalho em um país que tinha abolido a escravidão apenas há 55 anos.
Nesse rumo, a CLT também estabeleceu a obrigatoriedade de negociação coletiva com participação dos sindicatos, criou o Ministério Público do Trabalho e a Justiça do Trabalho para arbitrar os inevitáveis conflitos entre o capital e o trabalho.
Outro salto de qualidade nas relações do trabalho e na organização sindical do Brasil veio com a Constituição de 1988. A Assembleia Nacional Constituinte, convocada depois do fim da ditadura militar, avançou bastante nestas matérias.
Só para citar alguns exemplos, o artigo 7º. da Constituição Federal, com seus 34 incisos, eleva os direitos sociais a um novo patamar. Esses direitos passam a ter uma hierarquia superior, ganham status constitucional, superior a própria CLT.
Já o artigo 8º. garantiu a liberdade, autonomia e unicidade sindical, o custeio do sistema confederativo e o direito de sindicalização dos servidores públicos. Na vigência da Constituição, houve uma pequena revolução no sindicalismo brasileiro.
As entidades sindicais ficaram livres da tutela do Estado, do estatuto-padrão, da comissão de enquadramento sindical e outras amarras. Os servidores públicos civis conquistaram o direito à livre associação sindical.
Todas as reformas trabalhistas do Brasil e em outros países têm um conteúdo comum: reduzir o custo da força de trabalho para manter e ampliar os lucros. E para fazer isso, atacam os sindicatos, a CLT e a própria Justiça do Trabalho.
A partir dessa compreensão, é possível ao movimento sindical, representado pelo Fórum das Centrais Sindicais no Grupo de Trabalho criado pelo presidente Lula, debater um projeto de valorização da negociação e atualização do sistema sindical.
A ideia de não se mexer no artigo 8º da Constituição e preservar, entre outras coisas, a unicidade sindical, o sistema confederativo e a manutenção do sindicato como base da organização sindical é um bom começo.
Outro ponto em que é possível se atingir o consenso é criar uma nova modalidade de contribuição negocial, aprovada em assembleia e com participação de todos os trabalhadores para sustentar todo o sistema sindical, das entidades de base às centrais.
Os pontos que tratam da chamada densidade sindical (ampliar a base de representação e a representatividade) exigem mais debates. A diversidade de situações em um país como o Brasil exige maior clareza e razoabilidade para tratar desses temas.
Igualmente, é preciso definir o real significado da proposta que estimula fusões e incorporações sindicais. Não é consenso a ideia de ressuscitar o chamado “sindicato orgânico”, um tipo de organização que, na prática, leva à divisão da base à cúpula.
Por último, mas não menos importante, no atual estágio político do país é essencial preservar instituições estatais como a Justiça do Trabalho, o Ministério Público do Trabalho e o próprio Ministério do Trabalho.
É uma ilusão liberal achar que a “boa-fé” entre representantes do trabalho e do capital possa prescindir da arbitragem de uma justiça especializada para os inevitáveis conflitos trabalhistas.
Por isso, propostas novas como o Conselho de Autorregulação das Relações do Trabalho e Câmara de Autorregulação dos Trabalhadores e Empresários não podem se sobrepor aos papeis hoje desenvolvidos por entes estatais.
Opiniões distintas em matérias essenciais como relações do trabalho e organização sindical fazem parte da democracia. Não se deve impor opiniões e concepções que atropelem o consenso.
Com espírito unitário e construtivo, é possível se alcançar uma proposta em condições de ser aprovada no Congresso Nacional e, da mesma forma como a CLT em 1943, ser anunciada com toda pompa e circunstância no 1º. de Maio Unitário deste ano.
As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho