Esta é a reivindicação dos 185 dirigentes sindicais oriundos de diferentes regiões do País, que debateram durante dois dias, os problemas causados pela Orientação Jurídica (OJ) 419 na vida dos trabalhadores da indústria da alimentação.
Esta Orientação elaborada pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST) para resolver uma disputa das categorias dos motoristas sobre prescrição acabou atingindo os trabalhadores da alimentação que, em casos como de usina de açúcar e álcool, poderão ser enquadrados como rurais.
“A medida pode atingir 150 mil trabalhadores apenas no Estado de São Paulo”, diz Melquíades de Araújo, presidente da Federação dos Trabalhadores nas Indústrias de Alimentação do Estado de São Paulo (Fetiasp).
“Não estamos menosprezando os rurais, mas os trabalhadores não querem a mudança de base até por uma questão de status”, explica Araújo. “Vamos nos reunir com os ministros do TST para sensibilizá-los para alterar a OJ”, declara.
As reivindicações dos dirigentes estão contidas na Carta de Piracicaba, que será enviada às centrais sindicais, federações, sindicatos, aos ministros do Tribunal Superior do Trabalho, aos desembargadores dos Tribunais Regionais do Trabalho, presidentes e lideranças dos partidos, da Câmara e do Senado, aos procuradores da Conalis (Conselho Nacional de Liberdade Sindical), às chefias das procuradorias regionais, ao procurador geral do Ministério Público e aos componentes do Conselho Nacional do Ministério Público do Trabalho, além da presidente Dilma.
No documento, os sindicalistas reivindicam que as centrais sindicais adotem como meta prioritária enfrentar a tentativa do Ministério do Trabalho e do Ministério Público do Trabalho para anular a autonomia duramente e tardiamente conquistada.
Os dirigentes sindicais decidiram também mobilizar os trabalhadores nos locais de trabalho e nas suas imediações para que exijam o reconhecimento de sua representação sindical no plano dos industriários do grupo da alimentação. Se for preciso vão fazer plebiscitos e greves.
Fânio Luís Gomes, presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Alimentação de Piracicaba, está confiante. “Temos que fazer a vontade dos trabalhadores que não concordarão com o novo enquadramento sindical. Aí temos que resolver a situação”, declara.
O documento na íntegra é o seguinte:
CARTA DE PIRACICABA
Nos dias 27 e 28 do mês de maio de 2014, na cidade de Piracicaba, Estado de São Paulo, os trabalhadores do ramo da alimentação do Brasil, representados por sua Confederação, Federações e Sindicatos, no SIMPÓSIO NACIONAL DA ALIMENTAÇÃO, discutiram o temário proposto:
I – Sindicato e autonomia frente ao Ministério Público do Trabalho e Emprego e a Justiça do Trabalho;
II – Processo Legislativo. Tramitação. Composição e Forças Políticas do Congresso Nacional. Contribuição de Custeio. Reforma da Lei nº 5.880 de 1973 (Estatuto do Trabalho Rural);
III – Súmulas e OJs do TST e STF. Edição. Revisão e revogação. A OJ 419 do TST;
IV – Processo Eletrônico;
V – A agroindústria. Categoria e enquadramento Sindical. Procedimento junto ao Ministério do Trabalho e Emprego e ao Poder Judiciário;
VI – Contribuição de custeio.
Ouvidos os palestrantes, os dirigentes sindicais e advogados participantes, considerou-se o seguinte:
1 – As Centrais Sindicais tem por dever unirem-se, superando posições partidárias e ideológicas, para assumir efetivamente a defesa dos direitos e interesses da classe trabalhadora;
– desse modo devem enfrentar os temas que desafiam as entidades de base e comprometam a autonomia e a liberdade sindical;
– com efeito, ainda no mês de maio a cúpula da Coordenação Nacional de Promoção da Liberdade Sindical – Conalis, reuniu-se com as centrais quando tiveram ciência da investida que se prepara;
– quer o Ministério Público do Trabalho intervir na organização sindical impondo um modelo saído de alguns procuradores de modo a determinar:
a) o processo eleitoral;
b) a aplicação dos recursos e sua fiscalização;
c) a representação e a representatividade das entidades;
d) a transferência e a democracia interna;
e) custeio;
– A ingerência é vedada pelo artigo 8º, I, e alcança também os procuradores do Ministério Público do Trabalho;
– o Ministério Público do Trabalho simplesmente desconhece ou ofende a prerrogativa dada aos sindicatos pelo art. 513, letra “e” da CLT, comprometendo a receita e por conseqüência a ação sindical;
– não pode o Ministério Público retomar a tutela repressiva do Poder Pública sepultado pela Constituição de 1988;
– a Justiça do Trabalho, por sua vez, ofende a garantia dada pelo artigo 9º da Constituição quando se coloca em defesa do patronato concedendo ilegalmente o interdito proibitório;
– o Ministério do Trabalho e Emprego, de sua parte, não exerce seu papel fiscalizando as relações de trabalho permitindo a continuação do desrespeito continuado e doloso dos maus patrões, descumprindo a legislação de proteção ao trabalho, e a par disso intervindo também na organização sindical com medidas como o cadastramento, os Sistemas Mediador e Homologanet, registrando sindicatos “fantasmas”, não para representar categorias ainda inorganizadas, mas grupos minúsculos resultantes de dissociação o desmembramento de grupos já organizados;
2) Impõe-se realizar de uma vez a reforma política, compreendendo a reforma partidária e legislativa;
– os projetos devem ser responsáveis e não simplesmente formais;
– a tramitação não pode se perder e se eternizar no tempo;
– a transparência legislativa deve ser clara e permanente;
– deputados e senadores terão que responder por seus atos e omissões;
– indispensável que as centrais constituam um centro de avaliação e acompanhamento dos projetos de lei, divulgando-os, criticando-os ou dando-lhes apoio;
3) A jurisprudência da Justiça do Trabalho, suas súmulas e OJs precisam ser revistas urgentemente naquilo que atentam contra os direitos dos trabalhadores;
– neste sentido o entendimento que nega a garantia do emprego aos membros do conselho fiscal, com graves ofensas ao artigo 8º, VIII da Constituição;
– o entendimento que reduz o quadro da administração sindical a sete membros, negando o princípio da autonomia sindical, inscrito no artigo 8º, I da Constituição;
– a OJ n٥ 419 anula o enquadramento dos trabalhadores da agroindústria, atentando contra sua vontade e sua história, ao arrepio da súmula 196 do Supremo Tribunal Federal;
4) O avanço tecnológico responsável por uma nova ordem de modernidade e progresso só assume significado se favorecer a classe trabalhadora;
– no que se refere à informatização do Poder Judiciário não pode simplesmente atender juízes e serventuários, mas acima de tudo os trabalhadores que procuram a Justiça do Trabalho para a defesa de seus direitos, e todavia saem frustrados, compelidos a aceitar um acordo em forma de transação ou do contrário, aguardar anos a fio até que sua reclamação chegue ao fim.
– esse avanço tecnológico e sua forma de implantação tem impedido, dificultado e restringido o acesso ao Poder Judiciário em função das dificuldades adicionais criadas tais como: Internet, aquisição de certificado digital e aparelhamento tecnológico para tanto, inviabilizando com isso o”jus postulandi” na Justiça do Trabalho.
5) A agroindústria vincula-se a alimentação e assim a transformação do produto rural em alimento;
– a mais de três décadas foi definido o enquadramento dos trabalhadores da agro indústria no ramo da alimentação;
– neste sentido a literalidade dos artigos 7º, letra “b” e 581, § 2º. ambos da CLT;
– também o Supremo Tribunal Federal resolveu a disputa através da súmula 196;
6) O custeio da organização sindical deve ficar a cargo de todos seus representados, associados ou não;
– quanto aos não filiados, como dever de solidariedade e retribuição pela representação ampla nas negociações coletivas que lhes assegura todas as conquistas instrumentalizadas nos acordos e convenções coletivas
Diante dessas considerações ouvido o plenário, o SIMPÓSIO NACIONAL DOS TRABALHADORES DA ALIMENTAÇÃO são firmadas as seguintes
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Propor às centrais que divulguem suas deliberações e medidas coletivas com transparência e observância dos princípios de democracia sindical;
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Propor às centrais adotar como meta prioritária enfrentar a tentativa do Ministério do Trabalho e do Ministério Público do Trabalho para anular a autonomia duramente e tardiamente conquistada;
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Assumir posição clara e precisa em favor da contribuição de custeio ampla e geral, da autonomia das assembléias, da redação dos estatutos, do processo eleitoral, de reação ao interdito proibitório da Justiça do Trabalho, a conciliação imposta por seus juízes, a demora na solução dos processos;
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Atuar junto ao Tribunal Superior do Trabalho no sentido de cancelar a OJ 419 e reconhecer o enquadramento dos trabalhadores da agroindústria como industriários, representados pelas organizações do grupo da alimentação;
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Estabelecer como PLANO DE LUTAS na defesa da representação dos trabalhadores da agroindústria:
a – No Poder Judiciário:
atuar direta e permanente junto aos ministros do Tribunal Superior do Trabalho com participação dos advogados, procurando convencê-los da impropriedade da OJ 419 e necessidade de seu cancelamento;
b – No Conselho Nacional de Justiça (CNJ):
Apresentar carta de encaminhamento em nome da FETIASP e CNTA sobre as reclamações e dificuldades dos advogados e partes no manuseio e acesso do sistema eletrônico mediante comissão composta por representantes sindicais e advogados da categoria.
c – No Poder Executivo:
mais precisamente junto ao Conselho Nacional de Relações do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego, para que sua Câmara Bipartite defina o correto enquadramento sindical dos trabalhadores da agroindústria, ou seja, no ramo da alimentação;
d – No Poder Legislativo:
atuando junto aos deputados e senadores para que aprovem projeto de lei ou medida legislativa alterando a Lei nº 5.885 de 1.973 para excluir a agroindústria da conceituação de indústria rural;
6 – Diretamente junto aos trabalhadores, mobilizando-os nos locais de trabalho e nas imediações das usinas de açúcar, de laticínios, de sucos, frigoríficos para que exijam o reconhecimento de sua representação sindical no plano dos industriários do grupo da alimentação, valendo-se, se preciso, do plebiscito e da greve;
7 – Divulgar a CARTA DE PIRACICABA e suas RESOLUÇÕES ao povo brasileiro, enviando-a às centrais, às federações e sindicatos do grupo da alimentação ausentes no evento, aos Ministros do Tribunal Superior do Trabalho e aos Desembargadores dos Tribunais Regionais, ao Ministro do Trabalho, aos presidentes e lideranças dos partidos, da Câmara e do Senado, aos procuradores da CONALIS, às chefias das Procuradorias Regionais, ao Procurador Geral do Ministério Público e aos componentes do Conselho Nacional do Ministério Público do Trabalho e à Excelentíssima Presidente da República Dilma Rousseff.
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Piracicaba, 27 e 28 de maio de 2014
Pela Federação dos Trabalhadores nas Indústrias de Alimentação do Estado de São Paulo – Melquíades de Araújo – Presidente
Pela Confederação Nacional dos Trabalhadores nas Indústrias de Alimentação – Artur Bueno de Camargo – Presidente
Fonte: Fetiasp