As contas públicas estão desequilibradas mesmo sem a chamada pauta bomba que tramita no Congresso. E se forem consideradas as explosivas ações que correm no Judiciário, o quadro é muito mais grave. Se a União e os órgãos públicos perderem processos que correm contra eles na Justiça, o impacto financeiro pode chegar a R$ 1 trilhão, considerando estimativas da equipe econômica.
Levantamento feito pelo Correio sobre os principais riscos fiscais detalhados em um dos anexos da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2019 mostra que apenas 26 processos contra a União no Supremo Tribunal Federal (STF) e no Superior Tribunal de Justiça (STJ) podem gerar um rombo de R$ 881,7 bilhões. Além disso, se juntarmos os impactos estimados nos processos abertos contra o Banco Central (R$ 41 bilhões) e estatais (R$ 2,35 bilhões) a expectativa de calote de estados endividados que estão no Regime de Recuperação Fiscal (R$ 56,9 bilhões) são mais R$ 100,25 bilhões que sairão dos cofres públicos. Portanto, o passivo pode chegar a R$ 981,85 bilhões, 13% do Produto Interno Bruto (PIB) estimado em R$ 7,549 trilhões para o ano que vem.
Esse gasto é quase 10 vezes maior do que os cerca de R$ 100 bilhões previstos com as pautas-bombas do Legislativo e equivale a pouco mais de três vezes a despesa com pessoal prevista para o ano que vem, de R$ 321,8 bilhões. Os dados, entretanto, não estão atualizados até este ano e ainda há outros passivos que não são mensuráveis, segundo o documento da LDO. Portanto, o impacto financeiro no caso de uma derrota maciça da União nos tribunais pode ser muito mais expressivo.
Em nota, o Ministério do Planejamento declara que as informações do relatório da LDO “não implicam qualquer reconhecimento pela União quanto à efetiva sucumbência ou mesmo acerca das teses em debate, mas apenas eventual risco que tais demandas possam oferecer ao orçamento federal, caso a União não saia vencedora”. “Além disso, os relatórios bimestrais contêm provisão dos riscos fiscais previstos para o exercício, como, por exemplo, bloqueios para criação de reservas”, adiciona a pasta.
Especialistas, no entanto, demonstraram bastante preocupação com o tamanho do passivo apresentado na LDO, pois o espaço para bloqueios no Orçamento está cada vez mais restrito. “Estamos em uma situação extremamente difícil na área fiscal. A cada momento se descobre que o rombo é maior do que se imaginava no dia anterior”, avalia o especialista em contas públicas Gil Castello Branco, secretário-geral da ONG Contas Abertas.
“O Legislativo não tem sido solidário para o equilíbrio das contas públicas e o Judiciário é uma incógnita. A princípio, o julgamento não deve estar baseado no equilíbrio das contas públicas, mas o problema é que essas decisões serão suficientes para causar um estrago enorme na situação fiscal”, afirma Castello Branco. Ainda mais, segundo ele, quando o governo trabalha com uma meta fiscal de deficits primários de R$ 159 bilhões, neste ano, e de R$ 139 bilhões, no ano que vem.
Para o economista Simão David Silber, professor da Universidade de São Paulo (USP), a quantidade de processos contra a União pode causar caos no mercado. “Se essas bombas explodirem, o governo não terá condições de emitir dívida, porque o mercado não vai comprar, e a emissão de moeda elevará a inflação como no passado”, alerta. “A economia interna não está se recuperando como o esperado. O cenário externo piorou e, portanto, o momento não permite grandes aventuras para aumento de gastos do governo. O espaço de manobra para o próximo presidente é muito pequeno”, destaca.
Sem margem
Pela LDO, o governo terá pouca margem para acomodar gastos extraordinários com sentenças. As despesas discricionárias (não obrigatórias) e que são sujeitas a cortes somam R$ 98,4 bilhões no ano, valor 23,6% menor do que os R$ 128,9 bilhões previstos para 2018. “O orçamento é engessado, pois mais de 95% das despesas são obrigatórias”, explica o economista Pedro Schneider, do Itaú Unibanco.
O especialista minimiza o impacto dos passivos que sempre precisam constar na LDO. Segundo ele, como o Judiciário é lento, isso conta a favor, porque esses processos já estão se arrastando há vários anos e não serão julgados todos de uma única vez. No entanto, ele reconhece que alguns podem se tornar um problemão, como é o caso da inclusão do ICMS na base de cálculo da contribuição de PIS-Cofins. Conforme estimativa da Receita Federal com valores atualizados até 2014, em caso de derrota da União, a fatura pode chegar a R$ 250,3 bilhões, além de perdas na arrecadação acima de R$ 27 bilhões. “O STF já deu uma decisão desfavorável ao governo no ano passado, mas a União recorreu. Como o processo é lento e gradual, o impacto pode ser diluído nas contas públicas”, pondera.
Se essas bombas explodirem, o governo não terá condições de emitir dívida, porque o mercado não vai comprar, e a emissão de moeda elevará a inflação como no passado”
Simão David Silber, economista e professor da Universidade de São Paulo
Fonte: Correio Braziliense