LEOMAR DARONCHO – Site da Secretaria Latinoamericana da UITA
(União Internacional dos Trabalhadores da Alimentação)
A observação permite o cotejo com um setor que segue em condições muito precárias, no século 21. Interiorizados, os frigoríficos empregam, com baixos salários, os mais vulneráveis, inclusive imigrantes haitianos, senegaleses e bolivianos.
O setor se destaca nos acidentes, doenças e mortes no trabalho, com 90 ocorrências por dia. Dados do Observatório de Saúde e Segurança do Trabalho (MPT/OIT) indicam aumento nas mortes no trabalho de abate e fabricação de produtos de carne. Foram 40 óbitos em 2021, contra 30, em 2020. Anteriormente, a atividade registrava 16 óbitos anuais, em média.
Com 20 mil acidentes de trabalho em 2021, o setor produz um exército de sequelados e incapacitados. Destaque para lesões por cortes, amputações, lacerações e esmagamentos, que atingem dedos, mãos, braços, ombros, cabeça e o aparelho respiratório, embora o governo admita a forte subnotificação, pois muitos casos reconhecidos pelo INSS não têm a emissão da CAT — Comunicação de Acidentes de Trabalho — pelas empresas.
Dados oficiais apontam a correlação dos transtornos maternos com o ambiente de trabalho em abatedouros, e o setor emprega muitas mulheres. Relatos recentes da imprensa revelam a tragédia humana de eventos que ceifam a vida de brasileiros num trabalho penoso e árduo, marcado pela exploração.
Tragedias evitáveis
Em 25/2/2021, o técnico eletromecânico Itamar (45 anos) morreu em São José/SC. Escorregou e ficou preso pelo pescoço no helicoide do sistema de refrigeração (superfícies úmidas e gordurosas).
Em 29/8/2021, morreu o mecânico Rodrigo (37 anos). Caiu numa misturadora de hambúrgueres, em Dourados/MS (operações temerárias são feitas com equipamentos ligados). Em 30/11/2021, Jorge 26 (anos) morreu ao cortar a própria artéria femoral, em Araguaína/TO (o manuseio de facas ocorre em espaço reduzido e ritmo intenso).
Em 20/5/2022, o estoquista Marcus (28 anos) morreu prensado entre dois equipamentos, em Promissão/SP (ritmo e espaços confinados são fatores de risco). Em 16/6/2022, Jeferson (26 anos) sofreu queimaduras fatais em Votuporanga/SP.
Em 17/9/2022, Antônio e João morreram limpando a caixa de inspeção de esgoto, em Leme/SP. Um terceiro trabalhador desmaiou e foi socorrido (exposição a gases letais em espaço confinado). Em 18/9/2022, Antônio (36 anos) foi vitimado pelo vazamento de amônia do sistema de refrigeração, em Rio Verde/GO. O mesmo evento levou ao hospital 11 operários, um deles na UTI.
A pesquisa de Laurentino Gomes descreve as etapas do comércio de cativos, mão de obra para as fazendas do império e para as minas de ouro e diamantes em Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso. A captura, a negociação e o transporte trouxeram ao Brasil, em três séculos e meio, cerca de 4,9 milhões de africanos.
A média de mortos, jogados ao mar, era de 14 por dia. Entre os trabalhadores escravizados, a expectativa de vida era de 18,3 anos. A crueldade dos depósitos de escravizados na costa africana, enquanto aguardavam o embarque, é apresentada com o cálculo econômico dos exploradores.
No entreposto negreiro inglês de Cape Coast Castle (litoral de Gana), os porões da fortaleza confinavam até 1.500 cativos. No espaço insalubre, era alta a taxa de mortalidade. O relato de um médico, em 1718, recomendava: separar doentes; conter infiltrações; impedir que dormissem no chão; escoar o esgoto; limpar e fumigar o espaço. As sugestões foram ignoradas num cálculo econômico. A fartura de cativos — «peças» baratas — inviabilizava o investimento.
Passados 300 anos, poucas atividades humanas concentram tantos fatores de risco quanto os frigoríficos, atividade com alta rotatividade, em que se dá o descarte de operários, enviados para hospitais, cemitérios ou INSS, realidade sintetizada no slogan: «A carne mais barata do frigorífico é a do trabalhador».
O estudo da nossa história ajuda na compreensão da lógica econômica de tão precária atividade. Impõe-se uma guinada na retórica que, ignorando a ciência e a saúde dos trabalhadores, vem investindo na fragilização das normas de proteção, como as que limitam o ritmo e exigem pausas de descanso.
É urgente a adoção de uma pauta positiva, que dê atenção às mulheres e limite a duração do trabalho no setor, com base em parâmetros civilizados.