A maioria das recomendações feitas ao Brasil em 2016 pelo Grupo de Trabalho da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre Empresas e Direitos Humanos ainda não foi cumprida de forma satisfatória, e em alguns casos houve até retrocesso. A análise foi divulgada hoje (22) pela Conectas, organização não governamental (ONG) que defende a ampliação dos direitos humanos e acompanhou como as recomendações das Nações Unidas foram efetivamente atendidas pelas empresas e pelo governo brasileiro.
O estudo Recomendações do Grupo de Trabalho da ONU sobre Empresas e Direitos Humanos ao Brasil: Status de Implementação pelo Governo e Empresas” pode ser acessado no site da Conectas.
Segundo o coordenador da área de Direitos Socioambientais da Conectas, Caio Borges, cada vez mais, as empresas têm um papel na promoção dos direitos humanos. “Já se reconheceu no âmbito da ONU que as empresas podem gerar violações de direitos humanos.” Ele disse que, por isso, é preciso disseminar práticas e políticas no setor empresarial para evitar impactos como, por exemplo, o rompimento da barragem de Fundão em Mariana (MG) em 2015, ou o vazamento de rejeito da refinaria em Barcarena (PA), ocorrido recentemente.
Para Borges, casos como o de Mariana e o de Barcarena mostra que empresas podem impactar não só no meio ambiente, mas também em comunidades e entre trabalhadores. “O objetivo desse relatório é chamar a atenção para como o governo e as empresas têm cumprido com as recomendações feitas pela ONU em 2015.”
O secretário de Cidadania do Ministério dos Direitos Humanos, Herbert Barros, disse que o governo deve elaborar um plano de respostas para as recomendações da ONU, mas ressaltou que todas indicam a necessidade de engajamento do Estado na promoção dos princípios orientados pela ONU para as empresas, de modo a garantir os direitos de populações que, muitas vezes, são atingidas pela atuação de empresas em sua região.
Barros explicou que os princípios tratam de como é que o governo se envolve quando há acidentes e como são criadas garantias para garantir que as populações que tirveram seus direitos violados sejam reparadas forma adequada. “Mas, mais do que isso, um trabalho preventivo para que as empresas se preparem e que sua atuação em campo não gere violações de direitos humanos.”
De acordo com o secretário, também é importante fortalecer o programa de proteção para defensores de direitos humanos. “Eles sofrem constantemente ameaças e são personagens essenciais para o bom funcionamento da nossa democracia”, afirmou Barros. Ele informou que o ministério vem retomando os investimentos no programa e que já houve até expansão.
“De 2017 para 2018, já conseguimos uma ampliação expressiva, saindo de R$ 4,5 milhões para R$ 6,8 milhões. O novo ministro [Gustavo Rocha] viabilizou a ampliação de mais R$ 5 milhões, e já demandamos ao Ministério do Planejamento um crédito suplementar de mais R$ 3 milhões”, adiantou. Segundo Barros, isso permitirá a recomposição da rede de programas estaduais de proteção a defensores de direitos humanos e o fortalecimento do programa federal de proteção aos defensores. Ele disse que as medidas protetivas poderão ser revisadas para “que a proteção de fato aconteça” e que serão elaboradas ações estratégicas para identificar situações de ameaça aos defensores “causadas pelo funcionamento de determinadas empresas no campo”.
Para a coordenadora de Projetos de Direitos Humanos do Instituto Ethos, Sheila de Carvalho, o desafio é conscientizar as empresas sobre a importância dos direitos humanos. “É uma pauta educativa, é explicar como fazer com que os negócios não gerem impactos e sim produzam práticas para aprimorar a gestão sem violar os direitos humanos”. O Ethos é uma organização da sociedade civil de interesse público cuja missão é mobilizar, sensibilizar e ajudar as empresas a gerir os negócios de forma socialmente responsável.
Estudo da ONU
O estudo da ONU foi elaborado após visita de um grupo de especialistas das Nações Unidas ao Brasil, em dezembro de 2015. A convite do governo federal, eles visitaram locais que foram palco de casos emblemáticos de violações por empresas, como Mariana, Altamira e Belém, e capitais em que se reuniram com autoridades locais, como São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte.
Após a missão, os peritos elaboraram um relatório com 28 recomendações voltadas para o governo, empresas e sociedade civil. As sugestões da ONU estão no site da Conectas.
Caio Borges destacou que, apesar do empenho das instituições para a observância dos direitos humanos pelas empresas, o Brasil está aquém nesse processo. “Infelizmente o país está muito aquém. porque 60% das medidas podem ser enquadradas como insatisfatórias ou que sequer há relato de qualquer andamento nesse sentido.”
Ele disse que a situação do país tem criado os obstáculos para o descumprimento das recomendações: “o que encontramos é uma situação de bastante instabilidade que o país viveu nos últimos anos, política e economicamente, e isso tem, de alguma forma, criado obstáculos para que o governo dê andamento a essas recomendações”.
Borges ressaltou que, também no meio das empresas, permanece a visão de que elas têm que se preocupar com algumas medidas pontuais. “Como, por exemplo, construir uma escola, ajudar uma comunidade. Mas isso não é suficiente quando se fala de impactos maiores que podem ser gerados, tanto em relação ao público interno da empresa, como em relação à comunidade e à sociedade como um todo.”
A presidente do Conselho Nacional dos Direitos Humanos, Fabiana Severo, concorda com Borges e diz que o Brasil tem-se afastado da pauta de direitos humanos. Fabiana lembrou que, anos atrás, o país caminhava para um maior engajamento tanto em termos de políticas públicas quanto no Legislativo e na própria sociedade.
Fonte: Agência Brasil