HORA DO POVO – 10/06/2023 – CARLOS PEREIRA

Geraldo Magela/Agência Senado

Em entrevista exclusiva ao HP, Artur Bueno de Camargo, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores nas Indústrias de Alimentação e Afins (CNTA), que tem na base 1,5 milhão de trabalhadores, declarou que a vitória de Lula abre a possibilidade de reconstrução e de avanços no sistema de representação dos trabalhadores. Artur também foi coordenador do Fórum Sindical dos Trabalhadores (FST), que reúne a maioria das confederações brasileiras.

Para o presidente da Confederação, a unicidade sindical e o sistema confederativo devem ser mantidos: “São reconhecidos no mundo inteiro. Os dois são inseparáveis e se complementam”, asseverou. “Algumas centrais acham que a representação dos trabalhadores não deve prosseguir com o sistema confederativo. E não adianta dizer ‘eu apoio’, ‘eu vou manter a unicidade sindical’, mas criar um conselho de autorregulamentação só das centrais”.

Artur contou que o ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho, se dispôs a mediar o diálogo entre as confederações e as centrais. Os representantes das confederações estiveram com o ministro e pleitearam também a participação do Fórum Sindical dos Trabalhadores no Grupo de Trabalho de Reforma Sindical, criado pelo presidente Lula.

Na opinião de Artur, “nós temos que buscar o entendimento. Isso é o melhor de tudo. Focar naquilo que é melhor para os trabalhadores”.

Se a leitura valeu a pena até aqui, tem muito mais a seguir, na íntegra da entrevista.

HP – Qual sua expectativa do governo Lula para o movimento sindical?

Artur Bueno – Nos últimos seis anos, o movimento sindical sofreu ataques diretos contra a organização dos trabalhadores visando abrir a porteira e deixar passar a boiada, isto é, tirar o máximo possível de direitos dos trabalhadores e adiantar o serviço para as multinacionais que por aqui se instalaram.

A vitória eleitoral do Lula, nesse terceiro mandato, trouxe a possibilidade de reconstruímos muito do que foi destruído no terreno da representação dos trabalhadores e mesmo avançarmos, evidentemente, jogando fora apenas a água suja, sem perder o que é a essência, os melhores sistemas de representação dos trabalhadores, o sistema de unicidade sindical e o sistema confederativo. Esses não são reconhecidos só no Brasil, são reconhecidos no mundo inteiro como muito melhores, porque trazem a representatividade do conjunto da categoria profissional.

HP – As confederações sistematizaram essas opiniões?

A.B – O Fórum Sindical dos Trabalhadores reuniu 22 confederações, da área privada e da área pública. Construiu o Projeto de Lei 5552, com uma série de modernizações e mantém o sistema confederativo. O deputado federal Luiz Carlos Mota, comerciário, é o relator do projeto, sobre o qual podemos construir um entendimento, embora haja algum entendimento que a unicidade sindical é possível. Só que o sistema confederativo e a unicidade sindical andam juntos.

HP – E o que dizer das confederações em relação às centrais?

A.B – Nós reconhecemos que as centrais têm um papel fundamental, mas não fazem parte da pirâmide sindical. Não são o topo, porque não representam o conjunto das categorias profissionais. Têm o papel de representação política dos sindicatos a elas filiados.

HP – Mas as centrais, mesmo de forma tímida, falaram em manter a unicidade sindical…

A.B – Não adianta dizer ‘eu apoio’, ‘eu vou manter a unicidade sindical’, e criar um conselho de autorregulamentação das centrais. Não faz sentido um grupo de centrais querer dizer às representações de trabalhadores, confederações, federações e sindicatos, o que podem e o que não podem fazer. Esse é o ponto mais crucial. E quem não é filiado a nenhuma central? Acredito que a gente possa criar organismos de regulamentação, mas não com esse tipo de composição.

HP – Parece que as atribuições do conselho das centrais seriam as que estão hoje sob a responsabilidade do Ministério do Trabalho?

A.B – A partir do momento em que você substitui o público, o estatal, mais concretamente o Ministério do Trabalho, por um órgão corporativo, particular, ou seja, pelo conselho de autorregulação, você está estimulando a divisão, a concorrência. Seria a privatização do Ministério do Trabalho. E se, pelo rodízio, estiver da direção do conselho uma central que é desafeta de um sindicato em conflito de representação? Vai, de um jeito ou de outro, dar o que falar.

A solução é entregar a decisão ao maior interessado, a quem realmente importa o desmembramento ou a extensão da base de um sindicato: os trabalhadores. Seja por assembleia com quórum qualificado seja outra forma de apuração da vontade coletiva. Esse é o principal método de solução de conflito.

Dá também para definir alguns parâmetros do estatuto. O que não dá é jogar todo universo de questões na mão de um conselho formado por indivíduos com interesses particulares.

HP – Qual a diferença das funções do sindicato, da federação, da confederação e da central?

A.B – Essa é outra questão. Eles dizem que prevalece a negociação nacional. O Brasil é um país continental. A demanda do Norte é completamente diferente no Sul. Na pandemia, nós fizemos negociações nacionais, mas com o aval do sindicato. Chegamos a um denominador comum, não em termos salariais, mas na saúde e na Segurança de Trabalho. Para mim, a negociação tem que se dar na base. São os sindicatos que têm que fazer a negociação. Nós, federações, confederações e centrais, temos que dar apoio.

HP – As confederações e o Fórum vão insistir na unidade com as centrais?

A.B – Os representantes das confederações estiveram com o ministro Marinho, com objetivo de pleitear a participação do Fórum Sindical dos Trabalhadores no GT [Grupo de Trabalho] de Reforma Sindical, criado pelo presidente Lula. Acreditamos que ele compreendeu a importância da pirâmide sindical no sistema de unicidade e confederativo. Se dispôs a mediar o diálogo entre as confederações e as centrais.

Será muito ruim se as representações sindicais não chegarem a um acordo. Eu, até por não estar filiado a nenhuma central, tenho procurado conversar com todas e com vários presidentes. Nós temos que buscar o entendimento. Isso é o melhor de tudo. Temos que aproveitar que tem um governo agora que dá espaço para discutir, e com isso reestruturarmos e melhorarmos nossa representação. Focar naquilo que é melhor para os trabalhadores.